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O Posto

Uma característica cultural duma ditadura é a intolerância com a pluralidade. Outra, é o apego dogmático a regras e leis, mesmo que aquelas não tenham sido elaboradas com o consentimento dos seus cidadãos.

Na blogosfera, Carlos Esperança publicou como artigo1 o que era para ser a sua carta de leitor destinada ao jornal Público. Com essa reprimenda, tentava sujeitar o jornal a uma suposta obrigação daquele ao acordo ortográfico de 1990. Analisemos os seus argumentos conclusivos (os ênfases são meus):

Definida uma grafia, que alguns julgam facultativa, depois de vários anos a ser ensinada de acordo com a lei, qualquer tentativa de regresso é um apelo à anarquia ortográfica e à instabilidade do idioma e das normas jurídicas que o definem.

Não são alguns que a julgam facultativa. Toda a ortografia é facultativa. A ortografia duma pessoa, cujo acto de escrita não esteja sujeito à sanção do Estado — o que quer mais ou menos dizer: quem não seja estudante ou funcionário público —, é perfeitamente livre.

Tal como qualquer pessoa pode escrever com a orthographia que lhe apeteça, também podem as pessoas colectivas, como as empresas. Cabe na cabeça de alguém que as empresas do mundo editoral e da imprensa2 não tenham a liberdade de publicar o que entenderem e nas ortografias que quiserem? Não têm a liberdade de manter, alterar, ou inventar ortografias?

Já é tempo de os jornais que cultivam o imobilismo subversor da legalidade ortográfica se submeterem. O Público não pode continuar a ser o arauto da insurreição ortográfica contra a norma legal que há 12 anos vigora em Portugal e Brasil [...].

O apelo legalista — que é, neste caso, mesmo governista (até porque não há lei nenhuma que obrigue a imprensa a qualquer ortografia) — para submissão é um traço encontrado em Estados autoritários, como o foi no nosso Estado Novo. «Subversão», «insurreição», «anarquia», são algumas das palavras a que o autor recorre para descrever o exercício da liberdade da forma como se escrevem as palavras. Esta constelação semântica dá ao texto o aspecto duma militância ditatorial pelo controlo da actividade intelectual, cultural, e... de expressão.

Não é seguramente o facto de o tratado internacional ter sido firmado em 1990 pelo PM Cavaco Silva e promulgado em 2008 por Cavaco Silva (PR) que motiva a obstinação do Público na insurreição ortográfica contra o AO-90, e não se percebe a deliberada teimosia na prevaricação ortográfica.

O argumento do tratado internacional é um que mostra como é imberbe a nossa democracia. A reforma da ortografia não esteve em nenhum programa eleitoral dos governos que a arquitectaram: o de Cavaco Silva, e o de José Sócrates3. Além disso, em países com democracias mais maduras, como a Suíça, os tratados internacionais têm de ser aprovados por referendo. Pois qual a legitimidade dum tratado internacional feito por sussurros palacianos de São Bento e do Planalto — que ainda hoje continua a merecer o vigoroso repúdio dos profissionais da língua assim como da generalidade dos cidadãos portugueses e brasileiros? É isto a nossa democracia?

Não me obriguem a esconder o Público aos netos. Não quero agravar as suas hesitações ortográficas.

Pensem nas crianças, remata o autor, usando o bordão pedofrasta habitualmente encontrado na defesa das mais conservadoras das ideias4. Não pensaram no choque ortográfico nas crianças quando foi para ratificar o acordo em 2009, mas pensem agora! O que vale é que as crianças poderão aprender facilmente outra ortografia que não a de 1990. Afinal de contas, também se achava que a escrita SMS, akela q se xcrvia asim, iria estragar a ortografia dos jovens, e, vai-se a ver, ñ foi nd disso.

Serão os jovens de agora que no futuro se livrarão desta defeituosa ortografia que lhe impuseram, e serão os jovens de agora5 que farão evoluir a nossa ortographia para uma escripta etymológica — ou outra coisa qualquer melhor que este desastre. Da minha parte, não me encontrarão a levantar-lhes o dedo com palavras autoritárias como estas: é que nessa altura, mais importante do que o modo como se escrevem as palavras, Portugal já se terá livrado dos tiques linguísticos do Estado Novo.

1 Artigo de opinião - Enviado ao jornal Público e, naturalmente, não publicado, in Sorumbático, 23 de Setembro de 2021.
2 Por exemplo, a folha de estilo da revista New Yorker prescreve um trema para separar vogais seguidas de sílabas diferentes, como coöperative.
3 Presidente da Academia das Ciências diz que acordo foi “ato ditatorial” de Sócrates, jornal i, 5 de Maio de 2016; Carlos Fernandes, O Acordo Ortográfico de 1990 Não Está em Vigor: Prepotências do Governo de José Sócrates e do Presidente Cavaco Silva, Guerra & Paz, 2016.
4 E que ideia mais conservadora há agora que defender esta ortografia de 1990?
5 Veja, por exemplo, o canal do jovem Virtutis Discipulus com os seus inúmeros fãs, jovens construtivos e bem dispostos que participam na sua comunidade.

Investigação científica paga pelos portugueses é-lhes inacessível

Exijamos investigação aberta e em língua portuguesa

Através de notícia do El País, soube do resultado dum estudo do Real Instituto Elcano e da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI): 84% dos investigadores ibero-americanos escolheram publicar em inglês em detrimento da sua língua materna espanhola ou portuguesa em 2020.

No artigo, Ángel Badillo1 apresenta três razões principais para a ditadura do inglês na produção académica e científica:

  1. A impressão errada de que o que é escrito em inglês tem mais qualidade;
  2. O sistema de incentivos, que premeia o número de citações acima de tudo;
  3. O facto de serem anglófonas as duas empresas, Elsevier e Clarivate Analytics, que avaliam e publicam o principal da produção mundial.

Ángel Badillo explica ainda que as revistas que divulgam artigos científicos recebem-nos de graça, para depois os venderem a preços exorbitantes em avulso. Fica-nos então o produto da nossa ciência e investigação duplamente inacessível: temos de pagar para lhe aceder (depois de o termos já pago com os nossos impostos), e só é compreendido por quem fale língua estrangeira ao Estado que a subsidiou.

Exijamos que a nossa política de subsídios públicos2, para toda e qualquer investigação, requeira:

  • Que, se o trabalho não vier a ser realizado em língua portuguesa, dele seja feita uma obrigatória tradução integral para português;
  • Que, independentemente das revistas a submeter o trabalho realizado, a sua versão portuguesa seja disponibilizada em repositório nacional aberto e gratuito.

1 La dictadura del inglés en la ciencia: el 95% de los artículos se publica en esa lengua y solo el 1% en español o portugués. El País.

2 A começar pelos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Sugestões de tradução para o SAPO Blogs

O próprio serviço deveria chamar-se SAPO Blogues

Quando uma tecnologia e seus fenómenos derivados surgem, é natural que, num primeiro tempo, se adiram aos termos originais. No entanto, decorridos já anos suficientes para se acharem traduções, sugiro à equipa da SAPO as seguintes alterações à sua nomenclatura:

 

Anglicismo Tradução
Post Artigo
Tag Etiqueta
Link Ligação
Feed Fluxo
Blog Blogue
Subscrever Assinar

 

Se artigo, etiqueta, e ligação, são traduções simples de aceitar, já as palavras blogue e assinar poderão pedir esclarecimentos:

«Blogue» é a palavra que, por descrever um neologismo para um fenómeno tido como novo, e não se encontrando uma tradução consensual — ainda que eu preferisse que blog se se traduzisse por «diário» —, pede aportuguesamento.

«Assinar» é a palavra de define uma inscrição para recepção de periódico. «Subscrever» é um anglicismo de decalque da palavra «subscribe» que, em português, quer dizer «concordância» (como aquela que dá quem subscreve a uma petição).

Sendo os blogues do SAPO a plataforma nacional, seria de se destacar da concorrência internacional por um zelo particular em favor da língua portuguesa.

P.S.: Quanto às palavras que aparecem na página de administração dos blogues SAPO: template deveria ser traduzido por «modelo», e layout por «paginação» ou «composição».

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