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O Posto

Podem os CTT cobrar uma dívida aduaneira após o serviço concluído?

CTT enviam avisos de cobrança extemporâneos com ameaça de liquidação oficiosa

Têm sido enviadas cartas como esta para muitas pessoas que receberam encomendas no ano passado, apesar então de lhes ter sido aprovada a isenção de custos aduaneiros:

CTT Aviso de pagamento abusivo sobre serviço concluído

O formulário

No ano passado, o formulário de preenchimento de declaração aduaneira dos CTT tinham pouco clara a opção de declaração de objecto não comercial. Só um botão com letras minúsculas com a descrição «artigo 25.º do Regulamento (CE) n.º 1186/2009», o que era manifestamente uma descrição insuficiente para o comum dos clientes. Em informática, esta apresentação é conhecida anglicismo «dark pattern», e representa má fé por parte das pessoas que desenham formulários para obter por parte do utilizador uma resposta inautêntica.

Subitamente chego ao fim do formulário, e vejo uma referência Multibanco para pagar. Apesar de outras pessoas se queixarem de não ser possível alterar o formulário concluído, o meu navegador permitiu-me voltar atrás para o rever, para então encontrar, numa das suas páginas, uma opção «artigo 25.º». Pesquisando na Internet, aprendo que o «artigo 25.º» é a tal declaração de encomenda não comercial; clico nessa opção, resubmeto o formulário. Passado algum tempo, os CTT enviam mensagem indicando que foi aprovada a Franquia Aduaneira.

O aviso de pagamento

Agora, meses após o serviço, que foi concluído em Setembro de 2021, recebo uma carta emitida em 04/05/2022 com um tom ameaçador: diz que se «verificou por parte das entidades competentes» a existência de valores por liquidar. Expressões como «por parte das entidades competentes» e «por ordens superiores» eram usadas no Estado Novo para intimidar e camuflar a origem das ordens, inibindo as pessoas da simples defesa dos seus direitos.

O tom intimidatório do aviso de pagamento de suposta dívida parece fazer-se substituir do facto de não conter as normas nem as provas que a justifiquem.

Como o aviso de recepção não tem o nome ou assinatura de nenhum autor, temos de lhe atribuir a autoria moral à pessoa mais elevada na hierarquia dos CTT, neste caso o seu presidente executivo, João Bento.

A justiça

O erro dos CTT

Sendo o aviso de pagamento infundamentado, contactei o apoio ao cliente, donde obtive a seguinte resposta:

Para alguns clientes que finalizaram o desalfandegamento com pedido de franquia aduaneira (sem pagamento associado) entre julho a outubro de 2021, verificou-se a existência de processos com valores por regularizar e já entregues pelos CTT à Autoridade Tributária e Aduaneira. Desta forma, procedemos ao envio de notificações por e-mail com a informação necessária para a regularização dos valores em divida.

Só então podemos ver a clara explicação do que se passou: os CTT fizeram erros, e agora querem que os seus clientes o paguem — se necessário, pela força da intimidação.

Aceite sob condição de isenção de custos

Só após o esclarecimento por parte do apoio ao cliente se pôde verificar que isto é uma cobrança extemporânea dum serviço já concluído, aceite pelo destinatário sob a condição de não ser lhe cobrado qualquer valor.

Na Internet, podemos ver mais relatos deste mesmo sentimento, como a do utilizador alexandremix no reddit:

Eu na altura se me tivessem pedido 1 euro que fosse por este produto, simplesmente contactava a empresa que me enviou o produto e dizia que não ia pagar absolutamente nada por isso.

Alteração retroactiva da conta do serviço

​Paulo Silva, no Portal da Reclamação, diz:

mas liquidação do quê? E como se enganam no valor e o aumentam passado 2 dias? e Se eu já tivesse pago? Ia ter de pagar mais 33centimos? Para não falar que estes e-mails parecem burlas autenticas aos quais eu estava a ignorar por completo até reparar que não sou o único nesta posição e muita gente se encontra a receber e-mails deste género passado meses após terem a encomenda em casa.

Alterar retroactiva e unilateralmente o preço do contrato realizado, de isento de custos para uma cobrança de dinheiro com ameaça, parece ter validade nula.

Onde está o Direito?

Se, num restaurante, são trazidas à mesa produtos que o cliente não pediu, como entradas ou um cesto de pão, não pode depois o cliente ter de os pagar. Não é possível depois justificar com um «ah, mas é que o restaurante gastou dinheiro a fazer estes rissóis, e se o cliente os comeu agora tem de pagar». Pois é isto mesmo o que agora dizem os CTT.

Outra analogia: da mesma forma que uma pessoa que veja um preço num folheto publicitário dum supermercado tem o direito a obtê-lo a esse preço quando se desloque ao estabelecimento. Os CTT realizaram um serviço que o cliente só aceitou por ser isento de custos para, meses depois do facto consumado, dizerem que não, que afinal há um custo e que o destinatário é obrigado a pagá-lo em quinze dias.

Lanço esta questão aos juristas.

Cobrança depois da prescrição

Segundo o artigo 10, n.º 1 da lei Lei dos Serviços Públicos Essenciais, a prescrição das dívidas para serviços essenciais é de seis meses. Estes avisos de recepção foram enviadas aos seus clientes já depois do prazo decorrido.

A moralidade

Atrito burocrático

Depois de receber o meu esclarecimento acima citado, enviei nova resposta da qual recebi, por parte doutra operadora do apoio técnico dos CTT, o seguinte:

Para procedermos às respetivas averiguações, pedimos que nos envie por favor os seguintes dados:

Nome e morada completa do destinatário:
NIF (Número de identificação fiscal);

Para mais informações sobre produtos ou serviços, sugerimos o acesso ao nosso site, em https://www.ctt.pt/ajuda/index .

Atenciosamente,

Vanda Silva
Apoio Clientes

Solicitar informação que pode ser consultada através dos dados constantes na própria reclamação em curso parece ser um caso de criar atraso na justiça através do levantamento de passos burocráticos desnecessários. Muitos portugueses já se depararam com este truque.

Mas o meu caso nem foi o pior. Utilizador P. P., no fórum DECO, escreve o seguinte:

O facto de os CTT não apresentarem hipótese de esclarecimento e resolução desta situação da forma adequada, delegando a responsabilidade nas entidades aduaneiras, que, segundo a informação declarada oficialmente pelos CTT não podem ser consultadas para resolver esta situação, deixa os cidadãos e consumidores totalmente desprotegidos num processo burocrático de uma natureza verdadeiramente Kafkiana, reféns de uma máquina burocrática impessoal, onde o consumidor se vê impossibilitado de lutar pelos seus direitos e pelo apurar dos factos e justiça.

Funcionários do apoio ao cliente impedidos de ajudar

No Jornal da Madeira pode-se ler o seguinte testemunho:

Eu trabalho na linha de apoio ao cliente dos CTT e funciona tudo mal. Não há hipótese. Não temos autorização para ajudar o cliente, não podemos abrir reclamações, os supervisores não atendem as chamadas quando os clientes estão chateados.

A banalidade do mal

Quando participam da maldade vários dos funcionários — engenheiros e designers que fizeram o formulário original, superiores dos funcionários a quem impedem de ajudar os clientes, autores materiais do aviso de cobrança redigida naqueles termos; uns imorais, outros com a amoralidade de quem está meramente a obedecer a ordens — temos de responsabilizar não só cada um dos participantes, como a direcção dos CTT, tendo como máximo responsável moral a pessoa do seu presidente executivo, João Bento.

O forte ganha ao fraco

A razão pela qual o direito romano tende a proteger o cliente ou utente é justamente porque as pessoas colectivas têm mais poder que os indivíduos. Mesmo que a matéria dos factos possa estar do lado da empresa, como o pagamento do aviso de recepção servir para a perda do direito à reclamação do cliente, continua a dar-se aqui um caso de injustiça que, enquanto não for resolvida, demonstra que o grande tende a ganhar ao pequeno.

Um lucro indevido

Pelo menos os 2€ do serviço de desalfandegamento são lucro que os CTT agora amealha com uma simples intimidação, pois muitos clientes não estão dispostos a sequer consultar um advogado para se defenderem duma injustiça de montante inferior ao preço duma consulta jurídica. Se para cada cliente até podem ser só uns trocos, para os CTT, a soma de todos esses clientes assediados faz um montante que agradará certamente os membros do seu conselho de administração. Serviço público? Não, é o monopólio do serviço postal essencial e seu desalfandegamento ao serviço dos accionistas dos CTT, Sociedade Anónima.

Como corrigir esta situação

Todos os clientes que pagaram indevidamente devem ser ressarcidos. Não só o valor da taxa de serviço devolvido, como também do imposto, pois trata-se dum gasto a que o cliente não assentiu. Os CTT deveriam ainda ser multados pelos transtornos causados pela forma imoral como este assunto foi conduzido, levando os seus clientes a pagarem por intimidação.

Tal pode vir a ser accionado por uma acção popular a ser realizada por um conjunto de clientes, por associações de consumidores ou equivalentes, ou quiçá até pelo Ministério Público.

Como corrigir outras situações

Uma outra acção popular relacionada com este assunto poderá ser desencadeada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, que tem vindo a cobrar IVA sobre envios pessoais e outros cobertos pela isenção tributária, assim como calculado incorrectamente os montantes a cobrar noutras situações.

Temos todos nós, cidadãos portugueses, de zelar pela justiça, expondo os abusos, seja como clientes seja como funcionários do privado, seja como utentes e funcionários do público.

Só assim teremos um país melhor.

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