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O Posto

As figuras tristes

Vital Moreira faz, em artigo no seu blogue pessoal1, as mesmas figuras tristes que Carlos Esperança, essas já denunciadas no meu artigo Argumentos legalistas (e governistas) em favor do Acordo Ortográfico, acrescentando-lhe outras2. Escreve Vital Moreira, com ênfases meus:

Não sendo advogado, não me tinha dado conta de que o Boletim da Ordem dos Advogados informa que «não adopta [sic] o novo Acordo Ortográfico», apesar de este estar em vigor desde 2015, sendo de presumir que a Ordem também o não faz na sua correspondência oficial e nos processos administrativos, disciplinares, judiciais, etc., em que intervém. O site da Ordem insere a mesma rejeição do AO (imagem acima)

Considero uma inadmissível provocação esta recusa da ortografia oficial da República por parte de uma entidade pública, criada pelo Estado e encarregada do desempenho de tarefas públicas de regulação e disciplina da profissão de advogado. Nem sequer pode ser invocado o facto de não haver sanção prevista para o incumprimento da ortografia oficial, sobretudo tratando-se de um organismo público empenhado na observância do Estado de direito, sabendo-se que a ordem jurídica, a começar pela Constituição, inclui outras normas "imperfeitas", desprovidas de sanção, sem que isso torne menos ilícita a sua violação.

Por que desconhecido privilégio se julga a OA acima da lei?

Não se conhecem, por parte dos defensores do Acordo Ortográfico, quaisquer argumentos linguísticos. Em vez disso, encontramos seguidismo dogmático, e fervor autoritário pela decisão do governo do seu partido. Neste caso, a defesa socratista3 é tanta que Vital Moreira chega a indignar-se contra um boletim, e a possibilidade dos advogados escreverem noutra ortografia, mesmo que inteligível, que não aquela que é ditada pelo Estado Novo Ortográfico.

A adenda

Estranhamente, o artigo tem uma adenda, mais uma vez com ênfases meus:

Outro leitor objeta que o AO «não é uma lei», pelo que a crítica não se justificaria. Vê-se logo que não se trata de um jurista, pois, se o fosse, saberia bem que os acordos internacionais vigoram diretamente na ordem interna e criam direitos e obrigações, sem necessidade de transposição legislativa. Mais, de acordo com a interpretação dominante, os acordos internacionais prevalecem sobre lei interna incompatível com eles, assim respeitando o compromisso do Estado com terceiros países. Por isso, o AO nem sequer pode ser validamente afastado por uma lei, o que torna o seu incumprimento ainda mais grave do que se se tratasse de uma lei interna.

Ou seja, um leitor diz-lhe que o AO não é uma lei, e Vital Moreira, que escreveu o seu artigo original a perguntar-se porque se considera a Ordem dos Advogados «acima da lei», diz que obviamente o leitor não é jurista. Não fica bem descartar assim a participação cívica dum cidadão, até porque a democracia não pode ficar entregue aos juristas. No entanto, sendo jurista, Vital Moreira cometeu uma contradição no seu artigo: diz que a OA não pode estar acima da lei, para logo admitir que por acaso até não mas é «mais grave». Mais calinadas foram detectadas pelos Tradutores Contra o Acordo Ortográfico.2

A questão dos tratados internacionais fica para outra oportunidade, o da sua legitimidade democrática. Por exemplo, na Suíça, têm de ser ratificados por referendo. Em Portugal, ninguém quis este acordo ortográfico. Foi ratificado por pressão de José Sócrates4, e só continua graças a uma impressão de obrigatoriedade que é espalhada por um pequeno número de militantes governistas com palavras questionáveis.

1 Vital Moreira, «Era o que faltava! (3): A Ordem dos Advogados acima da lei?!», blogue Causa Nossa, 23 de Junho de 2022; reproduzido no Ciberdúvidas a 24 de Junho de 2022
2 Veja-se contraditório jurídico ao artigo do blogue de Vital Moreira na resposta de Tradutores contra o Acordo Ortográfico no Facebook; leia-se também o livro de Carlos Fernandes, O Acordo Ortográfico de 1990 Não Está em Vigor: Prepotências do Governo de José Sócrates e do Presidente Cavaco Silva, Guerra & Paz, 2016.
3 Ver, por exemplo, Vital Moreira em defesa de Sócrates, Observador, 30 de Março de 2015; Vital Moreira defende Sócrates e chama "desbocado" a Sérgio Moro, Sol, 25 de Abril de 2019.
4 Presidente da Academia das Ciências diz que acordo foi “ato ditatorial” de Sócrates, jornal i, 5 de Maio de 2016; Manuel Maria Carrilho culpa “voluntarismo patológico” de José Sócrates pelo Acordo Ortográfico, Jornal Económico, 15 de Julho de 2019.

Podem os CTT cobrar uma dívida aduaneira após o serviço concluído?

CTT enviam avisos de cobrança extemporâneos com ameaça de liquidação oficiosa

Têm sido enviadas cartas como esta para muitas pessoas que receberam encomendas no ano passado, apesar então de lhes ter sido aprovada a isenção de custos aduaneiros:

CTT Aviso de pagamento abusivo sobre serviço concluído

O formulário

No ano passado, o formulário de preenchimento de declaração aduaneira dos CTT tinham pouco clara a opção de declaração de objecto não comercial. Só um botão com letras minúsculas com a descrição «artigo 25.º do Regulamento (CE) n.º 1186/2009», o que era manifestamente uma descrição insuficiente para o comum dos clientes. Em informática, esta apresentação é conhecida anglicismo «dark pattern», e representa má fé por parte das pessoas que desenham formulários para obter por parte do utilizador uma resposta inautêntica.

Subitamente chego ao fim do formulário, e vejo uma referência Multibanco para pagar. Apesar de outras pessoas se queixarem de não ser possível alterar o formulário concluído, o meu navegador permitiu-me voltar atrás para o rever, para então encontrar, numa das suas páginas, uma opção «artigo 25.º». Pesquisando na Internet, aprendo que o «artigo 25.º» é a tal declaração de encomenda não comercial; clico nessa opção, resubmeto o formulário. Passado algum tempo, os CTT enviam mensagem indicando que foi aprovada a Franquia Aduaneira.

O aviso de pagamento

Agora, meses após o serviço, que foi concluído em Setembro de 2021, recebo uma carta emitida em 04/05/2022 com um tom ameaçador: diz que se «verificou por parte das entidades competentes» a existência de valores por liquidar. Expressões como «por parte das entidades competentes» e «por ordens superiores» eram usadas no Estado Novo para intimidar e camuflar a origem das ordens, inibindo as pessoas da simples defesa dos seus direitos.

O tom intimidatório do aviso de pagamento de suposta dívida parece fazer-se substituir do facto de não conter as normas nem as provas que a justifiquem.

Como o aviso de recepção não tem o nome ou assinatura de nenhum autor, temos de lhe atribuir a autoria moral à pessoa mais elevada na hierarquia dos CTT, neste caso o seu presidente executivo, João Bento.

A justiça

O erro dos CTT

Sendo o aviso de pagamento infundamentado, contactei o apoio ao cliente, donde obtive a seguinte resposta:

Para alguns clientes que finalizaram o desalfandegamento com pedido de franquia aduaneira (sem pagamento associado) entre julho a outubro de 2021, verificou-se a existência de processos com valores por regularizar e já entregues pelos CTT à Autoridade Tributária e Aduaneira. Desta forma, procedemos ao envio de notificações por e-mail com a informação necessária para a regularização dos valores em divida.

Só então podemos ver a clara explicação do que se passou: os CTT fizeram erros, e agora querem que os seus clientes o paguem — se necessário, pela força da intimidação.

Aceite sob condição de isenção de custos

Só após o esclarecimento por parte do apoio ao cliente se pôde verificar que isto é uma cobrança extemporânea dum serviço já concluído, aceite pelo destinatário sob a condição de não ser lhe cobrado qualquer valor.

Na Internet, podemos ver mais relatos deste mesmo sentimento, como a do utilizador alexandremix no reddit:

Eu na altura se me tivessem pedido 1 euro que fosse por este produto, simplesmente contactava a empresa que me enviou o produto e dizia que não ia pagar absolutamente nada por isso.

Alteração retroactiva da conta do serviço

​Paulo Silva, no Portal da Reclamação, diz:

mas liquidação do quê? E como se enganam no valor e o aumentam passado 2 dias? e Se eu já tivesse pago? Ia ter de pagar mais 33centimos? Para não falar que estes e-mails parecem burlas autenticas aos quais eu estava a ignorar por completo até reparar que não sou o único nesta posição e muita gente se encontra a receber e-mails deste género passado meses após terem a encomenda em casa.

Alterar retroactiva e unilateralmente o preço do contrato realizado, de isento de custos para uma cobrança de dinheiro com ameaça, parece ter validade nula.

Onde está o Direito?

Se, num restaurante, são trazidas à mesa produtos que o cliente não pediu, como entradas ou um cesto de pão, não pode depois o cliente ter de os pagar. Não é possível depois justificar com um «ah, mas é que o restaurante gastou dinheiro a fazer estes rissóis, e se o cliente os comeu agora tem de pagar». Pois é isto mesmo o que agora dizem os CTT.

Outra analogia: da mesma forma que uma pessoa que veja um preço num folheto publicitário dum supermercado tem o direito a obtê-lo a esse preço quando se desloque ao estabelecimento. Os CTT realizaram um serviço que o cliente só aceitou por ser isento de custos para, meses depois do facto consumado, dizerem que não, que afinal há um custo e que o destinatário é obrigado a pagá-lo em quinze dias.

Lanço esta questão aos juristas.

Cobrança depois da prescrição

Segundo o artigo 10, n.º 1 da lei Lei dos Serviços Públicos Essenciais, a prescrição das dívidas para serviços essenciais é de seis meses. Estes avisos de recepção foram enviadas aos seus clientes já depois do prazo decorrido.

A moralidade

Atrito burocrático

Depois de receber o meu esclarecimento acima citado, enviei nova resposta da qual recebi, por parte doutra operadora do apoio técnico dos CTT, o seguinte:

Para procedermos às respetivas averiguações, pedimos que nos envie por favor os seguintes dados:

Nome e morada completa do destinatário:
NIF (Número de identificação fiscal);

Para mais informações sobre produtos ou serviços, sugerimos o acesso ao nosso site, em https://www.ctt.pt/ajuda/index .

Atenciosamente,

Vanda Silva
Apoio Clientes

Solicitar informação que pode ser consultada através dos dados constantes na própria reclamação em curso parece ser um caso de criar atraso na justiça através do levantamento de passos burocráticos desnecessários. Muitos portugueses já se depararam com este truque.

Mas o meu caso nem foi o pior. Utilizador P. P., no fórum DECO, escreve o seguinte:

O facto de os CTT não apresentarem hipótese de esclarecimento e resolução desta situação da forma adequada, delegando a responsabilidade nas entidades aduaneiras, que, segundo a informação declarada oficialmente pelos CTT não podem ser consultadas para resolver esta situação, deixa os cidadãos e consumidores totalmente desprotegidos num processo burocrático de uma natureza verdadeiramente Kafkiana, reféns de uma máquina burocrática impessoal, onde o consumidor se vê impossibilitado de lutar pelos seus direitos e pelo apurar dos factos e justiça.

Funcionários do apoio ao cliente impedidos de ajudar

No Jornal da Madeira pode-se ler o seguinte testemunho:

Eu trabalho na linha de apoio ao cliente dos CTT e funciona tudo mal. Não há hipótese. Não temos autorização para ajudar o cliente, não podemos abrir reclamações, os supervisores não atendem as chamadas quando os clientes estão chateados.

A banalidade do mal

Quando participam da maldade vários dos funcionários — engenheiros e designers que fizeram o formulário original, superiores dos funcionários a quem impedem de ajudar os clientes, autores materiais do aviso de cobrança redigida naqueles termos; uns imorais, outros com a amoralidade de quem está meramente a obedecer a ordens — temos de responsabilizar não só cada um dos participantes, como a direcção dos CTT, tendo como máximo responsável moral a pessoa do seu presidente executivo, João Bento.

O forte ganha ao fraco

A razão pela qual o direito romano tende a proteger o cliente ou utente é justamente porque as pessoas colectivas têm mais poder que os indivíduos. Mesmo que a matéria dos factos possa estar do lado da empresa, como o pagamento do aviso de recepção servir para a perda do direito à reclamação do cliente, continua a dar-se aqui um caso de injustiça que, enquanto não for resolvida, demonstra que o grande tende a ganhar ao pequeno.

Um lucro indevido

Pelo menos os 2€ do serviço de desalfandegamento são lucro que os CTT agora amealha com uma simples intimidação, pois muitos clientes não estão dispostos a sequer consultar um advogado para se defenderem duma injustiça de montante inferior ao preço duma consulta jurídica. Se para cada cliente até podem ser só uns trocos, para os CTT, a soma de todos esses clientes assediados faz um montante que agradará certamente os membros do seu conselho de administração. Serviço público? Não, é o monopólio do serviço postal essencial e seu desalfandegamento ao serviço dos accionistas dos CTT, Sociedade Anónima.

Como corrigir esta situação

Todos os clientes que pagaram indevidamente devem ser ressarcidos. Não só o valor da taxa de serviço devolvido, como também do imposto, pois trata-se dum gasto a que o cliente não assentiu. Os CTT deveriam ainda ser multados pelos transtornos causados pela forma imoral como este assunto foi conduzido, levando os seus clientes a pagarem por intimidação.

Tal pode vir a ser accionado por uma acção popular a ser realizada por um conjunto de clientes, por associações de consumidores ou equivalentes, ou quiçá até pelo Ministério Público.

Como corrigir outras situações

Uma outra acção popular relacionada com este assunto poderá ser desencadeada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, que tem vindo a cobrar IVA sobre envios pessoais e outros cobertos pela isenção tributária, assim como calculado incorrectamente os montantes a cobrar noutras situações.

Temos todos nós, cidadãos portugueses, de zelar pela justiça, expondo os abusos, seja como clientes seja como funcionários do privado, seja como utentes e funcionários do público.

Só assim teremos um país melhor.

Faleceu o actor António Reis, e com ele um filme suspenso para a eternidade.

No ano lectivo de 2002-2003, eu preparava a minha curta-metragem de final de curso. Enviei o meu argumento cinematográfico para o Teatro do Campo Alegre com uma carta: «escrevi esta personagem a pensar em si».

António Reis recebeu-me no seu gabinete. Demorou-se na conversa, tomando o seu tempo para me prescrutar e dar-se a conhecer. Disse-me que não fazia televisão, que recusava todos os convites para telenovelas — que eram muitos. A sua vida era o teatro, mas não se recusava fazer cinema. «Praticamente só aceito fazer filmes do Manoel».

Então concluiu: faria a minha curta-metragem, mas com uma condição: que o meu próximo filme, a minha primeira produção profissional, o tivesse como actor contratado. Aceitei. Prometi.

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Duas décadas decorridas, e não me tornei cineasta. António Reis deixou-nos, deixando-me para sempre com uma promessa por lhe cumprir.

Uma característica cultural duma ditadura é a intolerância com a pluralidade. Outra, é o apego dogmático a regras e leis, mesmo que aquelas não tenham sido elaboradas com o consentimento dos seus cidadãos.

Na blogosfera, Carlos Esperança publicou como artigo1 o que era para ser a sua carta de leitor destinada ao jornal Público. Com essa reprimenda, tentava sujeitar o jornal a uma suposta obrigação daquele ao acordo ortográfico de 1990. Analisemos os seus argumentos conclusivos (os ênfases são meus):

Definida uma grafia, que alguns julgam facultativa, depois de vários anos a ser ensinada de acordo com a lei, qualquer tentativa de regresso é um apelo à anarquia ortográfica e à instabilidade do idioma e das normas jurídicas que o definem.

Não são alguns que a julgam facultativa. Toda a ortografia é facultativa. A ortografia duma pessoa, cujo acto de escrita não esteja sujeito à sanção do Estado — o que quer mais ou menos dizer: quem não seja estudante ou funcionário público —, é perfeitamente livre.

Tal como qualquer pessoa pode escrever com a orthographia que lhe apeteça, também podem as pessoas colectivas, como as empresas. Cabe na cabeça de alguém que as empresas do mundo editoral e da imprensa2 não tenham a liberdade de publicar o que entenderem e nas ortografias que quiserem? Não têm a liberdade de manter, alterar, ou inventar ortografias?

Já é tempo de os jornais que cultivam o imobilismo subversor da legalidade ortográfica se submeterem. O Público não pode continuar a ser o arauto da insurreição ortográfica contra a norma legal que há 12 anos vigora em Portugal e Brasil [...].

O apelo legalista — que é, neste caso, mesmo governista (até porque não há lei nenhuma que obrigue a imprensa a qualquer ortografia) — para submissão é um traço encontrado em Estados autoritários, como o foi no nosso Estado Novo. «Subversão», «insurreição», «anarquia», são algumas das palavras a que o autor recorre para descrever o exercício da liberdade da forma como se escrevem as palavras. Esta constelação semântica dá ao texto o aspecto duma militância ditatorial pelo controlo da actividade intelectual, cultural, e... de expressão.

Não é seguramente o facto de o tratado internacional ter sido firmado em 1990 pelo PM Cavaco Silva e promulgado em 2008 por Cavaco Silva (PR) que motiva a obstinação do Público na insurreição ortográfica contra o AO-90, e não se percebe a deliberada teimosia na prevaricação ortográfica.

O argumento do tratado internacional é um que mostra como é imberbe a nossa democracia. A reforma da ortografia não esteve em nenhum programa eleitoral dos governos que a arquitectaram: o de Cavaco Silva, e o de José Sócrates3. Além disso, em países com democracias mais maduras, como a Suíça, os tratados internacionais têm de ser aprovados por referendo. Pois qual a legitimidade dum tratado internacional feito por sussurros palacianos de São Bento e do Planalto — que ainda hoje continua a merecer o vigoroso repúdio dos profissionais da língua assim como da generalidade dos cidadãos portugueses e brasileiros? É isto a nossa democracia?

Não me obriguem a esconder o Público aos netos. Não quero agravar as suas hesitações ortográficas.

Pensem nas crianças, remata o autor, usando o bordão pedofrasta habitualmente encontrado na defesa das mais conservadoras das ideias4. Não pensaram no choque ortográfico nas crianças quando foi para ratificar o acordo em 2009, mas pensem agora! O que vale é que as crianças poderão aprender facilmente outra ortografia que não a de 1990. Afinal de contas, também se achava que a escrita SMS, akela q se xcrvia asim, iria estragar a ortografia dos jovens, e, vai-se a ver, ñ foi nd disso.

Serão os jovens de agora que no futuro se livrarão desta defeituosa ortografia que lhe impuseram, e serão os jovens de agora5 que farão evoluir a nossa ortographia para uma escripta etymológica — ou outra coisa qualquer melhor que este desastre. Da minha parte, não me encontrarão a levantar-lhes o dedo com palavras autoritárias como estas: é que nessa altura, mais importante do que o modo como se escrevem as palavras, Portugal já se terá livrado dos tiques linguísticos do Estado Novo.

1 Artigo de opinião - Enviado ao jornal Público e, naturalmente, não publicado, in Sorumbático, 23 de Setembro de 2021.
2 Por exemplo, a folha de estilo da revista New Yorker prescreve um trema para separar vogais seguidas de sílabas diferentes, como coöperative.
3 Presidente da Academia das Ciências diz que acordo foi “ato ditatorial” de Sócrates, jornal i, 5 de Maio de 2016; Carlos Fernandes, O Acordo Ortográfico de 1990 Não Está em Vigor: Prepotências do Governo de José Sócrates e do Presidente Cavaco Silva, Guerra & Paz, 2016.
4 E que ideia mais conservadora há agora que defender esta ortografia de 1990?
5 Veja, por exemplo, o canal do jovem Virtutis Discipulus com os seus inúmeros fãs, jovens construtivos e bem dispostos que participam na sua comunidade.

censos macau 2021.pngOs censos são uma operação de contabilização duma dada população, não por amostragem1, mas por contagem universal2. Por isso, devem ser tomados num período em que a população se encontre numa situação habitual. Para tal, evitam-se naturalmente os períodos de férias.

Em Macau, a recolha dos censos no Verão tem vindo a resultar numa população portuguesa sub-representada na contagem oficial da Região Administrativa Especial. É que é nestas férias grandes que os portugueses aproveitam para se ausentarem de Macau, viajando sobretudo para Portugal para visitar as suas famílias.

Os Censos 2011 foram tomados entre os dias 12 e 26 de Agosto desse ano3. Não é portanto de confiar inteiramente no resultado da contagem da população de nacionalidade portuguesa em Macau, que deu apenas 5.020. Curiosamente, os Intercensos 2016, insistindo em medições no Verão, entre 7 e 21 de Agosto4, identificou 9.024. Já o Consulado-Geral de Portugal em Macau regista 169.023 residentes com cidadania portuguesa5.

Neste ano de 2021, o governo de Macau impõe uma quarentena de 21 dias obrigatoriamente cumprida em quarto selado de hotel a qualquer pessoa que entre no território a partir do estrangeiro. Por estar assim obrigada a um tão penoso isolamento no regresso, a maior parte da comunidade portuguesa, para não perder os seus empregos nem inícios de anos lectivos, não sairá do território neste Agosto.

Retidos em Macau, desta vez um número maior de portugueses, para o que conte, deverá ser contado.


1 Census, Wikipedia, acedido em Agosto de 2021.

2 Principes et recommandations concernant les recensements de la population et des logements, Nações Unidas, Outubro de 2020.

3 Resultados dos censos 2011, Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, 2012.

4 Intercensos 2016 Resultados Globais, Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, 2017.

5 Portugueses em Macau: a diferença são 160 mil, Ponto Final, 13 de Agosto de 2018.

Investigação científica paga pelos portugueses é-lhes inacessível

Exijamos investigação aberta e em língua portuguesa

Através de notícia do El País, soube do resultado dum estudo do Real Instituto Elcano e da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI): 84% dos investigadores ibero-americanos escolheram publicar em inglês em detrimento da sua língua materna espanhola ou portuguesa em 2020.

No artigo, Ángel Badillo1 apresenta três razões principais para a ditadura do inglês na produção académica e científica:

  1. A impressão errada de que o que é escrito em inglês tem mais qualidade;
  2. O sistema de incentivos, que premeia o número de citações acima de tudo;
  3. O facto de serem anglófonas as duas empresas, Elsevier e Clarivate Analytics, que avaliam e publicam o principal da produção mundial.

Ángel Badillo explica ainda que as revistas que divulgam artigos científicos recebem-nos de graça, para depois os venderem a preços exorbitantes em avulso. Fica-nos então o produto da nossa ciência e investigação duplamente inacessível: temos de pagar para lhe aceder (depois de o termos já pago com os nossos impostos), e só é compreendido por quem fale língua estrangeira ao Estado que a subsidiou.

Exijamos que a nossa política de subsídios públicos2, para toda e qualquer investigação, requeira:

  • Que, se o trabalho não vier a ser realizado em língua portuguesa, dele seja feita uma obrigatória tradução integral para português;
  • Que, independentemente das revistas a submeter o trabalho realizado, a sua versão portuguesa seja disponibilizada em repositório nacional aberto e gratuito.

1 La dictadura del inglés en la ciencia: el 95% de los artículos se publica en esa lengua y solo el 1% en español o portugués. El País.

2 A começar pelos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Sugestões de tradução para o SAPO Blogs

O próprio serviço deveria chamar-se SAPO Blogues

Quando uma tecnologia e seus fenómenos derivados surgem, é natural que, num primeiro tempo, se adiram aos termos originais. No entanto, decorridos já anos suficientes para se acharem traduções, sugiro à equipa da SAPO as seguintes alterações à sua nomenclatura:

 

Anglicismo Tradução
Post Artigo
Tag Etiqueta
Link Ligação
Feed Fluxo
Blog Blogue
Subscrever Assinar

 

Se artigo, etiqueta, e ligação, são traduções simples de aceitar, já as palavras blogue e assinar poderão pedir esclarecimentos:

«Blogue» é a palavra que, por descrever um neologismo para um fenómeno tido como novo, e não se encontrando uma tradução consensual — ainda que eu preferisse que blog se se traduzisse por «diário» —, pede aportuguesamento.

«Assinar» é a palavra de define uma inscrição para recepção de periódico. «Subscrever» é um anglicismo de decalque da palavra «subscribe» que, em português, quer dizer «concordância» (como aquela que dá quem subscreve a uma petição).

Sendo os blogues do SAPO a plataforma nacional, seria de se destacar da concorrência internacional por um zelo particular em favor da língua portuguesa.

P.S.: Quanto às palavras que aparecem na página de administração dos blogues SAPO: template deveria ser traduzido por «modelo», e layout por «paginação» ou «composição».

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